Publichicks
Para ser publicitário, precisa ser criativo?
Um dos maiores tabus criados pelos universitários a respeito da publicidade é a necessidade de ser criativo o tempo todo. “O que é a criatividade de fato? Será que consigo desenvolver essa habilidade? Se eu quiser trabalhar com a parte estratégica da propaganda, ainda sim preciso ser criativa?” Pensando em todos esses questionamentos, trouxemos pessoas de diferentes áreas da publicidade para nos ajudar a desvendar os mistérios sobre esse assunto.
O nosso primeiro entrevistado é Felipe Anghinoni, 42 anos, formado em Publicidade e Propaganda, trabalhou como diretor de criação, ganhou um prêmio de “Young Criator” e criou a escola de metodologias criativas a Perestroika (figura 1). Falando um pouco sobre a sua trajetória, uma palavra que o marcou foi “coragem!”.
Nós perguntamos sobre o que seria a criatividade, ele nos deu a seguinte definição: “Criatividade é conseguir imaginar algo que a gente nunca viu... As pessoas tendem a dizer de que a criatividade é uma ferramenta para resolver problemas. Então eu acho que a criatividade para solução de problemas é conseguir imaginar algo para resolver um problema que eu nunca tenha visto. E isso é criatividade aplicada! E existe a outra criatividade que é a pura...que não está a serviço de nada é só a criação.”
Sobre o desenvolvimento da criatividade, Felipe nos apresentou com muita firmeza a sua opinião dizendo que: “Sim! É uma habilidade que pode ser desenvolvida. Obviamente vão existir pessoas que não são tão criativas, assim como existem os autistas, os psicopatas, mas falando muito genericamente existem mais pessoas que poderiam estar se desenvolvendo e sendo mais criativas do que elas já são. Todos são artistas. Seja dentro das músicas, do esporte, da publicidade... Eu acredito que seja uma questão de treino. Por exemplo, eu não sou bom em futebol, mas se eu treinar todos os dias agora na quarentena, no dia 30 eu vou estar muito melhor do que no primeiro dia. E pode ser que alguém que treinou por 30 anos esteja muito melhor do que eu, porque ela praticou a 30 anos. E pode ser também que tenha uma outra pessoa que nunca chutou, mas que chute melhor do que eu também. Mas eu vou estar melhor do que eu chutava. A questão é essa, todo mundo pode ser mais criativo, mas tem alguns que serão melhores do que outros.”
Uma curiosidade que nos foi muito levantada é sobre o processo criativo e como isso acontece, para quem está começando é sempre uma dúvida de “como isso funciona? O que eu preciso fazer?” Entenda como o Felipe lida com isso: “Eu sofri muito durante meus processos criativos sabe? E acho que ainda sofro um pouco e fico angustiado e começo a me cobrar de que “putz, não tá vindo” e deixo isso tomar conta de mim, mesmo estando sempre melhor. Eu noto que o meu melhor processo criativo é quando eu estou bem, estou tranquilo. E eu chego em boas ideias quando eu sofro, mas eu sinto que foi menos natural...eu sou um cara muito disperso e quando eu deixo isso tomar conta de mim sem cobrança e confio que vai dar certo, chega uma hora que as coisas começam a acontecer. E eu vejo o processo criativo da seguinte maneira: primeiro preciso mergulhar no problema e ser amigo do problema. Você não consegue resolver um problema que você não está disposto a ter! E segundo: o repertório. As coisas que já viveu, as experiências que já passou. E depois você se conecta para criar dinâmicas. É preciso deixar o problema e as suas ideias se “baterem” e desenvolverem uma solução e isso precisa ser leve.”
E no cotidiano do trabalho, nós vamos nos deparar muito com as críticas, faz parte do processo de construção e melhoria do profissional. Perguntamos ao Felipe como ele lida com isso, e ele nos respondeu da seguinte forma: “Eu sempre lidei com muita culpa em relação às críticas e ao ouvi-las, levava para o pessoal e sofria com aquilo. Eu não ficava bravo, mas ficava na defensiva... E o medo da crítica me atrapalhava, gerava uma “trava” e na Perestroika eu aprendi uma coisa que tenho tentado aplicar que é “a crítica é como um assalto, não reaja”. Não dê resposta, não se justifique, ouça o que a pessoa está dizendo e não tente ser protagonista disso, depois reflita sobre o assunto e responda. Esse processo faz a gente crescer.”
Quando decidimos enfrentar o mercado de trabalho, obviamente vamos nos deparar com o terror dos processos seletivos. O que será que o Felipe enquanto diretor de criação e empreendedor busca quando precisa contratar alguém.
Levantamos essa questão e ele nos disse: “Se eu fosse fazer um processo seletivo com vocês eu perguntaria o seguinte: o que você já fez que repercutiu e todo mundo saiu falando? Você já fez um meme que pegou? Você já saiu na capa do jornal da sua cidade? Você desenha? Escreve? Deixe-me ver as suas coisas. E eu digo isso porque eu aprendi que existe um novo tipo de comunicação. Nós aprendemos a fazer uma comunicação discursiva, mas a nova comunicação é fazer. Fazer é maior do que dizer. Então eu prefiro contratar um artista, um executor do que uma pessoa que planeja boas peças.”
Pedimos uma dica ao nosso entrevistado para quem está começando e ele compartilhou conosco o seguinte: “Eu vou dar três dicas: uma é saber que tem muita coisa para aprender! Temos que ser seguros e confiantes no aprendizado e não na execução. A segunda coisa é que a melhor maneira de acabar com a página em branco é acabar com ela o mais rápido possível. Quando você coloca qualquer coisa ela já deixa de estar em branco. É entender que a qualidade vem da quantidade...quem se apega muito a uma ideia é porque não tem muitas, e precisamos ter muitas ideias. E a terceira é a liberdade, sempre tem um jeito de fazer. Se tem um problema, a sua missão é ir lá e resolver, é fazer acontecer!”
Às vezes a mesma pergunta pode ter diversas respostas. Cada pessoa possui um repertório, teve experiências diferentes e por isso as opiniões podem ter outros pontos de vistas. Na esteira dessas questões, trouxemos a nossa segunda entrevistada: Andressa Rustice, 36 anos, formada em Administração, pós-graduada em Marketing, fez MBA em gestão de mercado e especialização em Branding. Trabalhou na Kellogg’s do Brasil, Hypera Pharma e atualmente trabalha no Ache Laboratórios. Andressa trabalhou com fortes marcas como Doril, possui amplo conhecimento de marketing e publicidade (figura 2).
No primeiro momento, perguntamos como surgiam suas principais ideias e ela disse: “Estrategicamente quando a gente precisa desenvolver algum conteúdo, a ideia não vem do nada, a ideia sempre vem do contexto. É importante entendermos todas as necessidades, saber o que a gente precisa fazer para alcançar o objetivo e automaticamente a ideia vem, mas porque é necessário entender o cenário, pensar no objetivo e automaticamente você começa a seguir por caminhos criativos, e eu falo de criação enquanto design, como falo de estratégia ou qualquer outra coisa. O seu objetivo é sanar um problema, ou achar uma solução. Então se você olha o cenário você acha caminhos, mas se mesmo assim você não conseguir, você precisa consultar outras coisas...Busque Benchmark para resolver o problema.” E uma coisa que está relacionado diretamente à criatividade e solução de problemas é o brainstorm”. Perguntamos para a Andressa a importância disso, sua percepção foi a seguinte: “O brainstorm é extremamente importante porque não existe uma ideia central e a partir disso vem a parte colaborativa. Quanto mais opiniões você tem, mais criatividade você vai ter. Uma mente só é muito limitada a gente precisa trocar ideias!”
E pensando no mercado de trabalho e no leque de possibilidades que a publicidade e o marketing nos oferecem, perguntamos para a nossa entrevistada como é o seu dia a dia de trabalho e o quanto a criatividade acaba se tornando um fator determinante ou não, ela nos respondeu assim: “Atualmente eu trabalho com produtos RX (medicamentos que só são vendidos com prescrição) e é um pouco difícil por conta da legislação, a gente não pode fazer muitas coisas. O maior desafio acaba sendo ser criativo dentro de tantas limitações e a gente consegue ser! É isso o que mais me deixa feliz no meu trabalho, porque você ser criativo dentro desse contexto é complicado e isso me desafia todos os dias...E o meu dia a dia é composto por muitos números, porque o marketing não é criação apenas, o marketing é vendas. Você precisa ajudar o cara a vender, então você vende indiretamente para ele vender ao cliente final.”
E considerando dois elementos importantes quando se trata de publicidade, a estratégia e a criatividade caminham juntas? Será que um acaba pesando mais do que o outro? Levamos esse questionamento para a Andressa e veja sua opinião: “A criatividade é importante na hora de traçar alguns caminhos estratégicos porque ela trás um diferencial, você precisa ser criativo para se diferenciar. Caso contrário você acaba entregando a mesma coisa que todo mundo já está entregando, então a criatividade é muito importante num processo decisório para as escolhas dos caminhos estratégicos, mas lembrando sempre do seu publico alvo. Não adianta nada colocar um outdoor se o meu público alvo não estiver atento àquilo.” Questionamos sobre o conceito de criatividade publicitária e se ela acreditava que poderia ter uma variação de profissional para profissional, a resposta foi que: “Varia de segmento para segmento e não de profissional para profissional. O segmento de eletrodoméstico precisa de uma publicidade e o segmento de medicamento precisa de outra. A publicidade ela é definida dependendo do segmento. Por exemplo, fazer um comercial pode ser fazer um comercial, mas a forma de fazer varia.”
E para você que pensa que a criatividade está envolvida somente na criação, vemos fortemente ela também presente na parte estratégica. Pensando que a publicidade tem outras categorias e funções, como por exemplo trabalhar no atendimento ou nas mídias digitais, perguntamos para a Andressa se ela acredita que genericamente a criatividade precisa estar presente no profissional, independente do segmento publicitário em que ele se encontra e a resposta foi: “Sim! Eu acho que para o criativo por si só está mais presente. Mas eu acho que a criatividade precisa existir no financeiro, no economista, no advogado! A criatividade faz parte da vida, para mim ela é tudo.”
E para finalizar não poderíamos deixar de pedir uma dica para quem está começando e se sente atraído para seguir o caminho do marketing e da estratégia, a dica foi a seguinte: “Troque ideias! O brainstorm é a melhor ferramenta de insights.”
Escrito por Maria Fernanda dos Santos Farinha e Kaila Vitória Leite